Sobre adeus sem despedida...



Quando eu tinha 8 anos o avô de uma das minhas melhores amigas faleceu e eles resolveram se mudar para longe. Outro estado, à kms de distância, e eu senti a impotência de não poder manter sempre perto alguém que amava.
Lembro que na véspera, eu estava chorando no telhado do hotel dos meus pais. (Costumava subir lá para escrever, brincar e pensar).
Nessa noite eu estava com tanta raiva, queria ficar sozinha, eu a odiava por ir embora, eu a odiava tanto!
Elisa era 3 anos mais velha que eu e sempre falava a coisa certa. As vezes eu até pensava que ela era adulta. 
Ela sentou ao meu lado e perguntou porque eu estava chorando. Falei alguma grosseria e passamos um tempo em silêncio. Até ela dizer que tinha escrito uma carta para mim.  Eu disse que não queria carta nenhuma. Que não aceitava que estivesse tão feliz por ir embora.
Então, ela abriu a carta  e começou a ler em voz alta. A carta dizia que quando ela chegou a cidade, estava bem triste, tinha sido difícil deixar os amigos, a escola... Porém, o avô já sabia que estava doente e queria morrer no lugar que nasceu e cresceu. Falou que foi um ano difícil, cheio de procedimentos médicos e medo. E as únicas coisas boas tinham sido que a casa onde ela morava era perto do hotel dos meus pais e que estudávamos na mesma escola.
Que me conhecer tinha mudado tudo. Que não ia me esquecer no caminho mesmo que o tempo passasse, falou de muitas formas o quanto eu era importante para ela e lembro como se fosse hoje, ao fim disse que sabia que não podia me levar consigo, mas me levava no coração. 
Depois de ler, pediu para eu estar às 8 em ponto no outro dia para nos despedirmos e trocarmos os endereços por escrito. Eu concordei mais animada.
O que acontece é que eu sempre tive os pais mais ocupados do mundo e eles foram para o hotel sem mim. Quando a babá me acordou já eram 10horas, eu até pedi para alguém me deixar lá antes de ir para escola, mas já não havia ninguém. Só uma casa vazia. 
Minha mãe disse que era besteira e riu porque eu não parava de chorar... Mandou eu comer tudo ir para escola. Na escola eu lia e relia a carta e pensava que nunca mais a veria. Fui até o banheiro e quando voltei a carta também tinha sumido. Só ficaram as palavras no meu coração.
Nunca mais eu soube da minha amiga de infância. Sei que ela era especial e pessoas assim só melhoram com o tempo. 
Por causa dela não consigo deixar ninguém ir embora sem me despedir. Corro para rodoviárias, aeroportos, cartas, telefonemas. Parece que em cada abraço, abraço minha amiga de infância e digo a ela:
- Eu queria ter ido! Eu queria muito! 
Confesso que cada despedida ao longo dos meus anos foi mais decepcionante que a outra. Palavras desencontradas, momentos confusos...
A verdade é que não há um jeito bom de dizer adeus a alguém. 
Eu não me despedi do meu pai, a última vez que o vi estava atrasada para escola e ele saindo dentro de uma ambulância para o hospital. Eu disse:
- Vou ficar
E ele respondeu,
-Não! Vá estudar. Vá para escola. 
E eu fui, porque achei que o veria de novo mais tarde, ou no outro dia. Contudo, foi a última vez. 
Eu queria ter ficado! Eu queria ter dito muitas coisas e me despedido... 
O que eu pude fazer foi juntar o máximo de lembranças e criar uma carta mental, para nunca esquecer.
A vida real não é como um livro com início, meio e fim. Na vida real você encontra um amigo na rua e diz:
- Ei, precisamos marcar de sair!
-Sim! Vamos marcar...
E esse dia não chega, o amigo se vai. 
Não é como nos filmes, não dá para planejar o melhor jeito de dizer adeus, porque dizer adeus sempre foi e sempre será, uma merda!
E mesmo que muitas vezes eu tenha tentado escrever a melhor despedida e saber o local exato onde por o ponto final, não funciona assim. Adeus dói. E muitas vezes só dói para um dos dois. Todas as minhas despedidas, não se comparam àquelas que não tive, pois as que não tive são histórias sem finais. 
Mesmo assim ainda corro pelos aeroportos e estações da vida com braços abertos para o adeus. E nunca saio com o coração inteiro, deve ser porque vida não permite ponto final, só reticências. Infinitos de saudade e lembranças, mal terminadas, porém com eterno significado...



3 comentários:

  1. Juliana, que emocionante teu texto e pude sentir contigo a tua dor na não despedida de tua amiga, depois de teu pai... Não gosto de despedidas ,mas infelizmente existem... E deixam tanto em nós!


    beijos, lindo domingo! chica

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  2. Olá Juliana
    Infelizmente todas as despedidas deixam uma lacuna no coração e uma reserva infinita de saudades. Mesmo que se dê o último abraço sabemos que os momentos vividos serão somente um diário de recordação.
    Belíssimo texto
    Beijinho no coração

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  3. Moça, tu mexeste num vespeiro chamado despedida... És corajosa! Ninguém mexe nele sem ferroadas extremamente dolorosas. As vespas da saudade, que habitam nos vespeiros das despedidas, ferroam sempre o coração!
    Já li texto teu há muito tempo. É difícil ler-te, porque desapareces e, quando escreves, nem sempre eu percebo. Mas hoje eu te li. Teu texto é um dos mais tocantes que já li nos últimos tempos. De alguma forma, sinto-me feliz porque eu havia feito um poema sobre despedida, e teu texto parece meu soneto em forma de crônica. Então, se ele é tão belo, tão belo, tão belo, meu soneto deve ser ao menos razoável...
    A questão da despedida, mola mestra das saudades, é que nada adianta! Haveres te despedido de teu pai ou de tua amiga te traria o consolo de despedir-te, mas traria a dor da lembrança da despedida, do último olhar, das últimas palavras, do último adeus... Doeria infinitamente, como não teres te despedido dói infinitamente. Não há jeito de não doer!
    É um mal sem cura. É o diamante que a Rose já velhinha, no filme Titanic, lança ao fundo do mar em que pereceu o grande amor e inspirador de toda a sua vida. Alguém pergunta: por que lançou? Aquele diamante era uma das duas únicas coisas que restaram dele! Mas... Lançasse ou não lançasse, o problema não era realmente o diamante ir... Era ele, seu eterno amor, não voltar... Nunca mais!
    Tu és uma cronista perfeita. Extremamente talentosa! Extremamente!
    Beijosssssssssssssss

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