Sobre o amanhã...

Havia na minha rua uma senhora sempre debruçada na janela, ela ficava olhando para os passantes com um olhar vazio, sozinha parecia triste e eu sempre me aborrecia de vê-la assim. Por isso vez ou outra ia lá conversar com ela e só ficava feliz ao vê-la sorrir. Angustiava-me a idéia de uma pessoa não ter ninguém no mundo e de apenas vê a vida passando pela janela gradeada da casa.

Veja bem, eu sou a pessoa mais desorganizada do planeta, não consigo achar a chave cinco minutos depois de entrar em casa, e confesso que não me importo nem um pouco com a ordem das coisas. Mas com pessoas isso é diferente, sou inquieta, não agüento ver ninguém infeliz ou com problema. Então, fui bisbilhotar o que realmente acontecia com a senhora da janela, D. Maria.

Descobri que ela não era sozinha no mundo, ela tinha uma filha que morava em outra cidade, mas por essas coisas tolas que acontecem no seio da família haviam brigado feio e ambas orgulhosas não davam o braço a torcer. Passei então ao firme propósito de convencer D. Maria a procurar a filha. Mas nesse sentido o coração dela era inacessível.

E eu que ia todos os dias conversar com ela na janela, passei a não ir, andava tão ocupada... Mas sempre dizia a mim mesma: “Amanhã eu vou conversar com ela, amanhã eu vou convencê-la a ligar pra filha”. Lembro que passei na calçada de sua casa, mas não parei para conversar, ocupada deixei para “amanhã”. O amanhã não chegou...

Ele não existiu para D. Maria, nem para o nosso encontro, ela partiu sozinha desse mundo. Naquela casa cheia de grades (assim como estava seu coração). A filha veio para o último adeus e lamentou-se do fato de sempre ter deixado para “amanhã” o dia em que pediria perdão à mãe.

E eu aprendi uma dura lição: Não existe amanhã, só existe o hoje, o agora. À hora de mudar o mundo e de fazer a diferença na vida daqueles que amamos... É essa! O ser humano passa a vida construindo projetos de castelos para serem usados amanhã, mas não sabe que amanhã só haverá castelos, a vida terá se esvaído.

Antes que a minha se vá deixarei algo mais sólido que castelos para aqueles que amo. Deixarei um sorriso nos lábios ao se lembrarem de mim, lembranças doces das loucuras e caretas que fiz, palavras de amor e carinho, minhas tentativas incansáveis de paz na minha família e por onde passei. Antes que eu me vá... Hoje! Agora... Eu deixarei: saudade...