Uma lembrança boa...

Tenho essa lembrança boa: Meus pais foram me pegar cedo na escola e eu pensei que alguma tragédia tinha acontecido. Entenda, meus pais nunca me pegavam na escola. E muito menos cedo. Empregados e babás é que iam, já quando todas as crianças tinham ido pras suas casas. (risos)

Mas nesse dia a professora me chamou no meio da aula e disse que meu pai e minha mãe tinham ido me buscar. Lógico que me assustei! Não lembro ao certo quantos anos eu tinha, mas lembro que precisei de ajuda pra abrir a porta, porque não tinha força.

O meu irmão estudava na mesma escola que eu, e acho que ele também deve ter estranhado. Ou não. Talvez ele soubesse. Todos sempre sabiam de tudo, exceto eu. Eu vivia em um mundo particular em que as princesas escolhiam seus príncipes e as estrelas cantavam pra gente dormir.

Mas não era uma tragédia. (Verdade seja dita, meus pais nunca nos tiraram da escola pra nos contar tragédias. Eles esperavam a aula acabar e voltarmos pra casa - risos-). Nesse dia, meu pai tinha comprado um carro novo e o que ele queria era levar a gente pra passear. E é essa a lembrança boa que tenho: Todos nós sentados no carro ouvindo Roberto Carlos e rindo. Juntos!

A gente não sabe quando vai ser um dia especial. A gente não sabe o que a lembrança de um pai pondo a gente no colo, de uma irmã contando fofocas pra sua mãe, ou de um irmão puxando seu cabelo no banco de traz, vai significar no futuro. A gente não sabe o quanto vai sentir falta de coisas tolas, até perceber que essas tolices eram o que dava sentido a todo resto.

Agora eu sei. Sei, porque meu pai se foi e com ele se foi a liga que nos unia. Sei, porque não sei qual dia terei minha mãe e meus irmãos no mesmo carro que eu. Talvez só no dia de minha morte. Mas até lá, conservo essa lembrança boa. E não perco a esperança de que eles se entendam. Afinal, a gente não sabe quando vai ser um dia especial.