Sobre o que falta...

 


Por um tempo acreditamos sermos destinados a coisas grandes. Eles nos perguntam o que queremos ser quando crescer e o céu é o limite. Respondemos: Astronauta, bombeiro, presidente da república, astro do pop, bailarina... É absolutamente impossível que os nossos sonhos não se tornem reais. Somos crianças e tudo que temos é a fé, desconhecemos de impossíveis. Nós fazemos a nossa história.

A droga é que em algum lugar lá atrás, entre o sonho e os caminhos que trilhamos o astronauta fica preso em um buraco de minhoca qualquer.

E nós não nos reconhecemos na imagem atual. O que fizemos de nós mesmos? Quando foi que desacreditamos que éramos bons o suficiente para ser e criar e ficamos prisioneiros de uma realidade amarga e fria? Um dos escritores de que mais gosto costumava escrever sobre os avessos, ele escreveu que “Tem mais presença em mim o que me falta. Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário. ” Acredito nisso também, que sou mais feita daquilo de que me falta, do que do tanto que possuo em mim.

Sou a história nunca contada, o abraço nunca sentido, sou o beijo nunca dado, sou o palco que nunca subi, sou as viagens que não fiz, sou a cadeira na academia de letras, sou a melhor amiga que ficou, sou o meu pai, sou o vazio de tantas formas e cores e sons, eu sou a minha filha, eu sou meus versos nunca escritos ou publicados, eu sou tudo que eu poderia ter sido e não fui. Tem mais presença em mim o que me falta e no meu avesso sou também uma descontrolada que grita, que soca, que xinga. Sou aquela que ataca, não a que se defende. Sou a que não aceita ser deixada de lado, sou a que não diz: “Sim senhor”. Sou a que diz: “Não”! Alto, forte. Colorido. E se ouve nos confins da terra.

Sou a que não aceita ser desprezada, sou a que não se faz de rogada. A que faz questão de ir, que faz questão de estar. A mal-educada, que não diz “tudo bem”, e não a que todos dizem: “ela vai entender”. Eu sou a que não vai entender. Eu sou a que se faz entender. E por isso posso ser astronauta, ou até presidente da república. Ali... bem ali no meu avesso. Bem ali na minha falta profunda, densa, eu sou o foda-se bem dado.

Na minha falta eu me encontro. E como o Manoel de Barros eu também gostaria de ser lida pelas pedras, nas pedras há mais essência do que em gente.

3 comentários:

  1. Lindo texto e que reflexão!
    Parabéns por conseguir transportar o abstrato em palavras com mestria.

    Quando li me veio essa prosa de Allan Dais Castro.
    https://youtu.be/MdM3fUgXI38

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  2. Quanta sensibilidade! Parabéns! Havia uma pedra no meio do caminho. Ela sempre é retirada por você e com sua maestria! É bom divulgar esse blog. Afinal a boa nova deve ser difundida, sempre.

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    1. Querido Anilton, obrigada por sempre nos incentivar a ver o melhor.
      O mundo precisa de mais pessoas como vc.

      Milhões de beijos

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