Sobre nunca saber quando será a última vez

Nunca sabemos quando será nossa última vez. O último sorvete, última música, o último beijo...  Quando será o último abraço naquela pessoa querida, a última vez que diremos até logo. Quando meu pai morreu foi um choque, eu não estava preparada. Eu me despedi dele na sexta, ele estava no quarto sentindo dor. A ambulância tinha vindo ver ele, mas ele pegou na minha mão e disse: “vá para escola, estude” Foi rápido, foi como se ele estivesse com uma dor de cabeça e dissesse: “pode ir, eu vou estar aqui quando voltar”, eu nunca mais o vi de novo. Se eu soubesse que aquela era a última vez eu queria ter agradecido, eu queria ter dito que ia sentir muita falta, eu teria pedido para ele não ir milhares de vezes, mesmo sabendo que ele não poderia fazer nada a respeito. Porque eu o amo e porque eu preciso dele. Assim mesmo, no presente do indicativo. Porque eu ainda o amo, porque eu ainda preciso dele todos os dias, até o meu último. No sábado ele estava internado na UTI e era meu dia de vê-lo, mas minha irmã pediu para ir, eu confesso que não fiz questão. Tinha a certeza absoluta que ele ia voltar, então eu o veria em casa. Ele não voltou. Não sei dizer o que sinto a respeito disso porque sempre tenho a sensação que podia ter feito mais para ele não ir. Mas o que? As vezes penso que se eu tivesse orado mais, ou se tivesse ficado mais perto, talvez ele tivesse tido mais força. Será que foi culpa minha? A única coisa de que tenho certeza é que aprendi que a vida é uma mera ilusão e que nunca sabemos quando será o fim da jornada. Talvez por isso eu procure me doar tanto para os que amo, coloco tudo que tenho. Tudo! Se for a última vez ali já tinha o que bastava, se eu tiver um outro dia darei um jeito de me encher de coisas boas para ter mais para dar. Queria escrever um livro sobre meu pai. Ele foi uma pessoa admirável, todo mundo deveria saber que existiu nesse mundo um cara bacana assim. O mundo perdeu mais que eu, porque eu tenho dentro de mim, muito dele. Boa parte do que sou é ele, talvez a melhor parte. Não que ele fosse perfeito, meu pai não era perfeito, mas também pessoas perfeitas são chatas! Meu pai era incrível, porque ele era do bem e ele era comum sem ser comum em nada. E se eu pudesse vê-lo eu queria que ele me dissesse porque o mundo parece tão mais perigoso sem ele aqui, ou porque a bondade parece um item raro agora. A gente nunca sabe quando será a última vez. Se hoje fosse a tua você deixou saudade ou alívio? Se hoje for a última vez de quem você ama, você já disse o que precisava dizer?