Pretérito imperfeito

 


Nós estamos escrevendo mensagens  

Elas são deixadas publicamente 

Não nos importamos, seguimos em frente 

Nós criamos códigos pra nossas bobagens 

 

É madrugada e não podemos nos afastar 

Nós estamos respirando e inspirando poesia 

Nós fazemos músicas juntos 

E não queremos ir pra nenhum outro lugar 

 

Juramos que seria só enquanto se pode ouvir 

Prometemos proteger todos a nossa volta 

E mesmo assim você não me solta 

A gravidade nos puxa mesmo podendo ferir  

 

Deixamos esse rastro de encontro por toda parte 

Você me fala de vazio e eu te falo de intensidade 

Você é tão comum e mesmo assim me persuade 

Temo que um dia saibam de nós daqui a Marte 

 

O teu toque deixa um rastro de arrepio  

Eu queria te dizer o quanto parecia certo 

Mas era tão errado te manter por perto 

Flutuamos no meio do abismo [um desvio] 

 

Calma, eu sei que a conjugação está errada 

Que o presente se fez pretérito imperfeito 

Tal qual uma obra de arte com um defeito 

Em que o amado ri de tudo, sem sua amada  

  

E eu sei que isso foi há muito tempo  

 Que a curva sinuosa hoje é uma reta segura 

A verdade é a verdade, ainda que seja dura 

E as palavras já não levadas com o vento 

 

Agora não há mais canções na madrugada 

 Não há mais risos em filas de banco 

Não há mais riscos em barrancos  

Não há mais nós. Não há mais nada

Nós escrevíamos mensagens o tempo inteiro 

Nós éramos um enquanto ouvíamos a canção 

Nem contávamos o tempo, nunca contamos não 

Mas foi há tempo demais esse roteiro 

Cores de novembro


Em dias como hoje, relembro

Nossa dança de vontades, 

O berço da insanidade ,

 Nas cores daquele novembro.

 

Recordo a coragem que havia

Na paixão que impulsionava.

O tanto que eu te amava,

E a sombra do Mar escondia.

 

Hoje a casa parece oca, 

Restando apenas lembrar,

Nossas almas se amando.

 

Tua canção em minha boca.

Nossas peles se encontrando.

Os odores pairando no ar.

Eu tenho escrito cada vez pior

 


Hoje tudo que escrevo tem gosto de sabão. Cada palavra parece um caractere desconexo. Eu me afastei das palavras, eu corri delas, do meu único refúgio. Ainda deposito as letras em orações e as orações em preces. Eu ainda penso em você. Mas é uma memória distante e acontece cada vez menos. Antes cada pequena partícula do mundo me trazia você. E doía tanto! Eu mal podia respirar. Eu precisei de ajuda para continuar respirando.

Hoje sigo a rotina dos dias, as vezes eu faço escolhas ruins para ocupar o tempo. Eu me machuco bastante para não sentir aquela dor. Acho que foi decidido pelo universo, que eu seria a mais forte, que eu teria de vencer os dias e o tempo. Aceitei isso. De que sou a mais forte. A que sobrevive.

Você ainda está nesse mundo? Espero que sim. Às vezes, quando a dor traiçoeira surge inesperadamente, eu fecho os olhos e respiro profundamente. E penso: Em algum lugar desse mundo ele também respira e é feliz. Debaixo do céu e dos astros respiramos o mesmo ar. E isso me consola. Me pergunto se é assim mesmo quando amamos alguém. Se queremos o bem acima do nosso bem e simplesmente suportamos. Penso que sim, afinal eu só sei amar assim.

É... Eu tenho escrito cada vez pior. Parei por um longo tempo. Tentei fechar tudo e me perdi tentando ser outra pessoa. Mais racional. Mais centrada na política e trabalho. E tenho pensado, Tenho pensado se o universo ou alguma divindade nos separou como castigo, sabe? Então não nos encontraremos nessa vida. Não conseguiremos lembrar um do outro. Não lembraremos da sensação do nosso toque. Ou da nossa respiração tão próxima. Eu já não lembro de muita coisa. As memórias estão sendo traiçoeiras. Será que realmente há um você? Será que eu não te imaginei como a tantos versos e contos? Eu já não lembro a razão de nada. Será que você lembra?

Mas eu lembro da ausência. Eu lembro da falta. Eu lembro do vazio. Eu lembro que era pra ser com você, quando a chuva vem e eu danço sozinha. Nós nunca dançamos na chuva? Lembro que você seguraria minha mão por cima da mesa do restaurante. Nós nunca jantamos em um restaurante? Eu lembro que deveríamos dormir tão juntos que o universo saberia que somos um só. Nós nunca dormimos assim? Eu lembro da sua mão segurando a minha no cinema. Nós já fomos ao cinema? Eu lembro que você me ensinaria a jogar sinuca. Você me ensinou? Difícil escolher as partes reais do sonho.

Só sinto que tem um espaço vazio e é seu. E respiro e me consolo na certeza que respiras em algum lugar. Mas e se não respirares mais? E se já não estiveres nesse mundo, como seguirei daqui? Laços de morte me cercam quando penso assim.  A Florbela Espanca é uma de minhas poetizas preferidas e traduziu em versos esse sentimento:Sou talvez a visão que alguém sonhou. Alguém que veio ao mundo para me ver. E que nunca na vida me encontrou”

Nós nunca nos encontramos. Nós nunca nos conhecemos. Eu nunca senti o seu abraço me segurando tão forte que nada nesse mundo poderia nos separar. Mas sei que existes sim, em algum lugar, pois o vazio é do seu tamanho. A saudade ela tem seu nome, apesar de eu não saber qual é seu nome. Apesar de eu não reconhecer a sua face. Apesar de eu não saber o som da sua voz. Eu tenho que acreditar que é real.

Então... Procure por mim! Procure por mim... não desista de me encontrar nessa vida. Me encontre antes que seja tarde demais. Eu sinto que além das palavras, perco a cada dia a sanidade e o desejo de estar aqui, nesse planeta. Por isso escrevo tão ruim. Encontre-me depressa. Ainda que nossas escolhas tenham criado sentenças perpetuas, ainda que nosso mundo rua em dois. Procure por mim...  Eu preciso saber se é real.

O seu amor deve ser tão grande quanto o meu. Deve existir em algum lugar a pessoa que sente o vazio do meu tamanho. A pessoa que respira melhor por saber que eu estou aqui. A pessoa que me acha no céu a noite. Deve existir em algum lugar. Procure por mim... recriaremos o universo, enfrentaremos o Olimpo. Seguiremos as estrelas. Como disse o poeta Vitcor Hugo: “A redução do universo a uma única criatura, a expansão de um único ser até a divindade, é isso o amor” Então, você que eu não sei se é real ou se ainda respira aqui.... para que eu não me perca, para que não cesse minha respiração, me ame como quem acredita na eternidade. Ame com a fé inabalável e apenas procure por mim...

 

Aceitei ser a vilã


 

 

Para salvar o castelo

Aceitei ser a vilã

A culpa foi minha.

Eu o encontrei e alucinei

Retirei de seus bons caminhos

Intoxiquei seus poros

Depositei sorrisos

Impulsionei canções.

 

Aceitei ser a vilã

Para salvar o castelo

A bruxa do conto de fadas

A mais vil, a mais safada

 

Aceitei ser a vilã

Para salvar o castelo

E as paredes estão intactas

A princesa está a salvo

Rei e rainha dirigem seu reino

 

Mas toda história tem três lados

E eu levo o meu comigo

De um reino distante

De uma bela princesa bruxa

Da letra para toda canção

 

Vilãs que salvam o castelo

E partem o próprio coração

Não são mesmo vilãs.

São a curva da estrada

São o penhasco e as nuvens

São o segredo mais estranho

De todo conto de fadas